Dissonia

Eu adoro as minhas insônias.
Espera. Vou refazer a frase e me explicar melhor.
Eu aprendi a adorar as minhas noites insones. Não de uma hora pra outra, não de repente. Só descobri isso quando vi que é durante as noites insones que dedico tempo para vivenciar as minhas paixões. Amo ler, mas na batida funky-funky-boom-boom da vida, acabo desmaiada na cama depois de ler duas míseras linhas. Já quando a insônia vem me visitar, dou cabo de um livro de 300 páginas em questão de horas, embarco na história como quem entra numa jangada em alto mar e vou embora para qualquer lugar.

Escrevo diariamente, mas nos meus dias tem campainhas, interfones e telefones tocando, familiares e suas incontáveis urgências, o mercado, o banco, o rango pro jantar, etc. É na insônia que visto a pele de escritora, o mundo em silêncio lá fora parece esquecido da minha existência e posso exercitar a paixão imensa que corre em mim como um rio caudaloso. Nessas horas, meu universo se ajusta, estou de posse de minha plena insanidade mental, sou inteiramente eu enquanto procuro palavras para encontrar o outro.

Gosto de pensar na vida, refletir sobre meu dia e minhas ações, mas muitas vezes o cansaço não permite uma honesta e necessária meditação da morte da bezerra. Basta uma insônia como manda o figurino pra que o rumo do GPS emocional seja ajustado, e problemas sejam solucionados ou deixados de lado de uma vez. Atravessar uma noite acordada já me fez decidir coisas importantes, colocar os pingos nos is e equilibrar o termostato que nos faz aprender a conviver com aquilo que desagrada.

Nessa dissonia tão mal quista e falada, tenho descoberto o prazer de estar só comigo mesma, deslindo minhas fronteiras como pessoa e reconheço em mim mesma as dualidades que possam ser dilacerantes se mal compreendidas.

Uma noite em claro pode, quem sabe, salvar um dia que tinha tudo pra ser escuro.


CH

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