O Rabo do Macaco

O tema já estava escolhido e o esboço inteiramente delineado na cabeça. Era só digitar, revisar e publicar a crônica aqui. Acontece que, às vezes, surge outra história e se coloca no topo, exigente de ser posta no papel. A de hoje, que pede para ser contada, começa assim...
... Tem uma coisa que prezo muito mais que outras: o Princípio da Subjetividade, que é a capacidade de se colocar no lugar do outro para melhor entendê-lo e, a partir daí, poder estabelecer como reagir. É um exercício naturalmente muito difícil, mas humanitário em sua essência. Imagine só... conseguir fazer algo assim num mundo onde a memória anda curta e se arvora como julgadora a maior parte do tempo; vivemos com o indicador em riste apontando as falhas dos outros, os erros cometidos vez ou outra e as escolhas, e nos sentimos muito bem no papel de juízes das vidas alheias, afinal, temos todos os critérios para exercer tal atividade, não é? Não, não é. Mas, não sei a razão de não entendermos isso nunca. Feridos ou não, aprisionamos o outro com o nosso silêncio, mantendo-o refém de um desprezo deturpado por percepções únicas e uma dose mortal de egoísmo. Não permitimos que o nosso olhar adquira novos contornos e nos presenteie com renovadoras possibilidades de interpretação. Julgamos e condenamos no melhor estilo one way. Um grilhão, dois cativos, e infelicidade a granel.
Precisa ser realmente assim? Não. Não precisa. Não deveria ser. Mas é, infelizmente. Hoje, fala-se muito em sinceridade e chovem acusações misturadas com clichês do tipo "um-dia-a-máscara-cai". Qual é o nosso problema? Por que estamos acusando os outros o tempo inteiro? Sentados no Trono do Mundo, praticamos a arte de julgar e condenar sem sequer ouvir as partes. Julgamos motivações, atos, cor da pele, opções sexuais, sotaques e tudo o mais diante dos nossos olhos. Há uma passagem no livro A Cabana, de Willian P. Young, que exemplifica bem o que quero dizer. Mackenzie, personagem da obra, está diante de Sofia, a Sabedoria, e ela lhe diz:

"Julgar é se sentir superior a quem você julga."

É exatamente assim que nos sentimos a maior parte do tempo: superiores a todos à nossa volta, detentores de toda verdade, de todo o Conhecimento. Só trocamos de lado quando ficamos na berlinda. Aí, desafiadoramente, dizemos: só pode me julgar aquele que caminha com os meus sapatos.
Pois calce os sapatos alheios antes de dar o seu veredito da próxima vez. Como dizia a minha avó: macaco, olha teu rabo.

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