Umbigados

Diz um amigo meu que o mal do século é a falta de atenção no outro.
Será mesmo?
Aconteceu um fato comigo há algumas semanas e pensei sobre o que ele vive dizendo. Cheguei a conclusão de que existe uma enorme chance de ele ter razão. Seja no trabalho, na vida familiar, nas amizades ou nos relacionamentos amorosos, estamos mesmo meio desatentos, omissos e falhos quanto ao nosso papel na trama toda da vida. Há uma espécie acomodadora de "venha a nós o vosso reino" seguida sempre de que a nossa exclusiva e imperiosa vontade seja feita... e bem rápido de preferência. Que nos tratem bem, que adivinhem e nos satisfaçam os desejos, que nos deixem em paz quando não estamos a fim de papo, que tolerem nossas grosserias e imperfeições, que nos aceitem como somos, que aguentem nosso mau humor, as alterações inexplicáveis de rumo, que adivinhem os nossos pensamentos, leiam nas entrelinhas aquilo que não temos colhão para dizer, e mais uma sequência interminável do comportamento mais egoísta, mimado e perverso que se tem notícia. Tudo isso, claro, com a cara mais lavada do mundo e a certeza de que a vida tem um enorme débito conosco. De cabresto emocional, acabamos voltados para a cicatriz da queda do cordão umbilical, o famoso umbigo de todos nós, formando uma tribo em franca expansão: a dos umbigados, onde o universo gira em torno e todo o resto da humanidade apenas gravita. Haja estômago para lidar com tantos EUs (bem maiúsculos) espalhados pelo mundo, todos exigindo o sangue, o suor e as lágrimas do outro (bem minúsculo). A falta de atenção com o que nos rodeia nos faz machucar a quem não merece, castigar violentamente a alguém por um erro bobo, julgar atitudes com a facilidade com que se estala os dedos, e a perder amizades e amores valiosos e insubstituíveis, principalmente.

Só queima pontes quem sabe caminhar sobre as águas.
Mentiu feio quem te chamou de princesa ou reizinho quando você nasceu. Realeza mesmo é ter a gentileza como pedigree.

CH



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