Infelicidade Para Todos

Alieksei Alieksándrovitch, num dado momento da trama, diz para si mesmo: "O que importa é que eu não sofra e que eles não sejam felizes". O personagem de Tolstói em Ana Karênina é um marido frio, de hábito e maneira contidos, enquanto Ana, a esposa, está com tudo e não está prosa - tem beleza, classe, boa posição social, é invejada pelas mulheres da sociedade peterburguense, um filho amado e, para completar, ainda conta com o amor do todo-todo Conde Vronski. Não à toa, ela é a protagonista da famosa obra da literatura russa que ganhou inúmeras versões para teatro e cinema. Na versão de 1985, o par de amantes era formado pela bela Jacqueline Bisset e Christopher Reeve, o meu Superman favorito.
 
Fiz a volta toda ao iniciar a crônica para conseguir contextualizar a frase. Alieksei não se importa exatamente com o desamor da esposa, embora isso o atinja no centro da vaidade masculina. Para ele, o objetivo central é que nada respingue fora do balde de sua contida personalidade e não mude sua maneira de viver. O romance foi publicado por volta de 1875, mas o pensamento do Sr. Karênin é de uma atualidade gritante. Quantos por aí andam espalhando a infelicidade geral, na base do se-não-vai-ficar-comigo-então-que-seja-muito-infeliz? E o pior é que alguns, lamentavelmente, levam tudo a termo, vão mais longe e transformam a vida do outro num inferno, com direito a todos os círculos de Dante... Acabou o amor, acabou a paz. Fazer o outro infeliz torna-se uma missão de vida (cá pra nós... isso lá é vida?), um objetivo cego e irracional de causar terra arrasada, nada de bom poderá ser plantado ali. É um troço doentio, pavoroso e... comum, creia. Há variações do tema, graduações de maldades, mas a meta é a mesma: distribuir infelicidade a granel. E não precisa ser um marido traído para cometer o desatino de jogar contra, de desejar o mal;  "amigos" fazem isso, ex-paixões de curta duração fazem isso, ex-mulheres e ex-maridos fazem isso... O que interessa é que ninguém consiga tocar a vida e ser feliz. Nesse caso, ninguém é ninguém mesmo, pouco importando os danos colaterais (filhos, pais, amigos, etc).
 
Já cantaram que alegria alheia incomoda, e impressiona a verdade que há nessa frase de aparência simplista. Se a felicidade é contagiante, a infelicidade é epidêmica. Vale prevenir para não se deixar infeccionar.
 
 CH
 

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