Sumarização

Em Literatura há um significado específico para o verbo sumarizar - é a diminuição do tempo da narrativa, algo do tipo querida-encolhi-as-crianças, que quem escreve tem de aprender a fazer nem que seja na marra. Já sumarizei mais páginas que consigo lembrar e ainda suo em bicas em todas as vezes, fico com pena de cortar palavras, embora concorde que o trabalho final tenha ficado melhor na maioria delas. Pensei em sumarização hoje... Tomava um café deliciosamente fumegante no Starbucks aqui pertinho de casa com um amigo a quem chamo amorosamente de primo emprestado. Como ele simplesmente abomina sair de casa com frio e chuva, me considero uma mulher de muita sorte por ele ter aceitado o meu convite e caminhado alguns bons quarteirões na chuva para me ajudar a matar a vontade de um cappuccino enorme, cremoso e espumado! (valeu, Pedro!) A gente sempre tem assunto pra caramba - na verdade é porque temos intimidade e eu falo pelos cotovelos... Vou emendando histórias que vi, que li, que vivi, que ouvi, conto a última piada que me fez rir, rio antes do final e volto pro começo, falo sobre o livro que estou escrevendo, respondo as perguntas que faço e vou lembrando e acrescentando coisas como quem enche uma árvore de Natal com todos os penduricalhos inventados, enfim...
 
Lá pelas tantas, café terminado e conta pedida, ele me contou que não estava mais saindo com tal mulher por quem estivera há pouco tempo bastante interessado. Minha reação foi dizer o que escrevi na frase anterior: Poxa, mas você parecia tão interessado nela! "Interessado", para ser bem específica neste caso, quer dizer que ele telefonava para ela algumas vezes ao dia, fazia perguntas sobre o que ela contava, tecia comentários quando ela pedia opinião, a convidava para sair, e levou-a para um fim de semana no reservado sítio da família em Petrópolis na companhia do cãozinho Shih-tzu dela - isso me parece com estar bastante interessado, sinceramente, e por conviver com ele, de certa forma, posso acrescentar que havia um investimento contínuo de tempo e gestos numa futura e bacana relação a dois. O que deu errado, então? A tal sumarização... A mulher resumia tanto suas opiniões e experiências que não dava para saber ao certo o que ela pensava ou quem era. Como é que alguém quer estabelecer um relacionamento profundo, intenso e real se economiza a si mesmo? Não dá para aprofundar os laços estabelecidos sem a porção de detalhes que compõe a nossa existência. É até óbvio dizer que ninguém precisa dar uma de Damien Dematra* e narrar longamente cada segundo respirado desde que saiu do ventre materno, mas existem certas histórias nossas que merecem e precisam ser esticadas ao serem contadas a quem quer compartilhar da vida conosco. Sumarizá-las é correr o risco de deixar lacunas descoloridas no retrato que pintamos de nós mesmos.
 
Acho que é muito gostoso poder olhar para quem nos relacionamos e pensar com uma bela dose de admiração: eu sei o quando ele (a) caminhou para estar aqui ao meu lado!  Encontrar a dosagem certa desse estica-ou-corta é o pulo do gato na ficção e na vida real.

CH

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