Chuva no Havaí

Também chove no Havaí. Foi com essa única frase que Simão pontuou um longo monólogo meu. Sempre me sinto prolixa quando conversamos; uso mil figuras de linguagem, faço analogias e descasco o verbo sem economizar nas tintas. Enquanto Simão, meu amigo mais que querido e guru pessoal, não perde a calma nem o tom zen de sua voz doce que me chega de um longínquo ashram indiano. E é com essa mesma paz, que o veste como uma segunda pele, que ouço-o dizer que também chove no Havaí. Caso não estivesse tão pra baixo, eu riria alto. Caso não o conhecesse tão bem, eu diria que parece loucura falar sobre o clima de uma ilhota paradisíaca quando eu estou tão pra baixo e sem capacidade alguma para rir alto. Meus músculos zigomáticos maior e menor entraram em férias ou estão em greve geral...
 
- Faz sol quase o ano inteiro lá, mas às vezes a chuva cai, sabia?, ele me diz através da tela do computador, essa janela tecnológica bendita que me permite ter por perto pessoas que amo. A frase me ronda como um cão me farejando, olho nos olhos do Simão e vejo-o sorrir pra mim. Ele sabe que o entendi perfeitamente.
Ele continua como se adivinhasse a minha próxima pergunta: - Ou você sai pra sentir a chuva no rosto ou fica em casa, esperando que ela passe e o sol volte. Você não esqueceu que o sol vai voltar, esqueceu?

Meu amigo teólogo é mil vezes melhor que eu para poetizar a vida, penso isso sentindo que vou chorar outra vez e que já perdi as contas do tanto que  usei o lenço com o qual aperto os olhos para parar as lágrimas como se estancasse uma hemorragia. Não, não me esqueci..., respondo com um fiapo de voz que mais parece um trinado de um canário ferido. Por uns segundos longos, ficamos em silêncio - ou quase em silêncio, interrompido sistematicamente por minhas fungadas e chiados típicos de quem tenta esconder que está aos prantos. Simão, que sabe tanto de tantas coisas, não tem medo de lágrimas. Por isso, ele consegue ficar à vontade diante de alguém que chora escorregando pelo azulejo do banheiro tanto quanto de alguém que rola de rir e cai do sofá. Sou Ph.D em ambas, portanto sei do que falo. As emoções humanas não o afugentam e talvez ele seja o único homem do mundo que não se apavora/se estressa diante de uma mulher debulhada em lágrimas.

O tempo passa rápido quando conversamos, embora eu saiba que lá se foram duas horas de papo. Logo alguma tarefa diária do ashram leva Simão a dizer que precisa desligar essa coisa, se referindo a sair do Skype. Antes de fechar a janela e sumir da minha frente, ele diz: - Wabi-Sabi* Saio à procura do significado, vasculho os dicionários que tenho e, no fim recorro ao Google para descobrir que Wabi-Sabi não tem tradução literal, assim como saudade também não.

Que a chuva que cai agora no Havaí regue sementes que ainda não consigo enxergar.

CH




* Wabi-Sabi é uma expressão japonesa que define a beleza que existe no ciclo da vida e nas marcas que resultam do simples fato de existir.




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