E Se Dessa Vez For Amor?

Ele me olha de lado e abre um meio sorriso ao ouvir a minha pergunta. Talvez não vá fazer a menor diferença na minha vida ou na dele, mas eu fico esperando pela resposta, a mão no queixo e um olhar perdido de quem sabe que é a pior autora da pior biografia amorosa possível.
Ele suspira ao me ouvir suspirar. Depois de dez segundos, canso do estranho silêncio e repito a pergunta:

 "e se dessa vez for amor?"

"O que você quer dizer com isso?" - ele devolve, e parece se esforçar pra me dar a resposta certa, como se a errada pudesse colocar tudo a perder (o tempo, o desejo, as semanas, os dias, sei lá)... 

"Nada", digo e completo: "Ou tudo. Será que desta vez é mesmo a nossa vez?"

"Você quer que seja? Ou melhor, você espera que seja?" - ele abre mais o sorriso, ilumina a sala, enquanto me diz essas duas frases. Eu continuo enroscada com as almofadas do sofá, meio melancólica, azeda, cansada (ponho a culpa no dia nublado pra não ter que falar a respeito). Penso em pedir para ele vir deitar ao meu lado para que eu possa me enroscar no corpo que conheço tão bem, penso em pedir para que ele me beije a boca da maneira que só ele sabe, me tirando o fôlego, a roupa, e me dando um céu azul outra vez. Penso tantas coisas numa fração de segundo, mas não levanto nem o dedo indicador para fazer um convite silencioso e mal intencionado.

Ele passa a mão no cabelo, pisca algumas vezes e toma outro gole da última cerveja que havia na geladeira. Usa a camisa com a etiqueta Hering pra fora (ato proposital pra ganhar um carinho meu na nuca macia, eu conheço e gosto desse velho truque), a calça jeans detonada que a mãe dele tem ganas de transformar em pano de chão toda vez que o vê vestido "com esse trapo deprimente que nem um mendigo aceitaria usar em seus piores dias" (palavras dela, acredite).

Reflito sobre a pergunta dele. Posso responder que espero que seja. Ou posso simplesmente virar para o outro lado e deixa-lo pensar que não tem a menor importância a presença dele na minha vida nessa altura do campeonato (o que seria uma mentira deslavada, já que o amo de todo o coração). Fico pensando por uns instantes em como chegamos até este momento: duas almas errantes, dois insanos, dois sedentos colocados diante do mesmo copo d'água, loucos para matar a sede, mas medrosos demais para chegar até o copo. 

"A minha vida está uma bagunça, você sabe disso, não sabe?" - é só o que digo, minha mente analítica se antecipa.

Ele dá de ombros. Eu continuo. "Quero dizer... A minha vida sempre foi essa bagunça mansa e inofensiva, embora eu viva repetindo que vou organizar as coisas de uma vez, que vou me casar com você no papel, planejar um filho para o ano que vem e depois juntar toda a grana possível para coloca-lo na natação, na aula de inglês, no judô ou no balé, na escola particular aqui do bairro, na melhor faculdade, etc. O fato é que a gente tenta se achar e acaba se perdendo, reparou? Quando eu deixo de te procurar é a hora que te encontro, a hora que o nosso amor fica mais bonito, possível, arejado".

Meu discurso não o impressiona. Com calma, ele levanta e vem se aconchegar no sofá apertado comigo.

"Não é a nossa vez agora. Sempre foi. - ele me diz. "Não é amor dessa vez. Sempre foi amor. O tempo inteiro, desde que você esbarrou comigo naquele domingo sem graça e me fez acreditar que eu era um cara legal que merecia sim uma garota legal".


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