A Pessoa Certa

Em todos os postes e muros do mundo há cartazes invisíveis. Todos correm à procura da Pessoa Certa, esse ser onírico e desaparecido que rouba o presente e entope de fantasias absurdas o futuro. Corações com espaços vazios oferecem recompensas descomunais em troca de qualquer pista que leve a esse encontro. Os dias passam, e as noites chegam cobrindo tudo e a todos com um manto escuro e silencioso. A Pessoa Certa não chegou ontem, não chegou hoje e talvez nem chegue amanhã. Ainda assim, todos passam a viver debruçados nas janelas do cotidiano a olhar as ruas cheias de Gente Infeliz, esquecidos de que podem/devem se tornar Pessoas Certas também... Mas, com quem se parece A Pessoa Certa? Ninguém sabe, ninguém viu.
 
Um dia, sem avisar, A Pessoa Certa chega, afinal sabe o quanto foi esperada, o quanto foi desejada.
 
O coração, antes um palácio arejado com muitas janelas voltadas para um imenso jardim ao sol, vai encolhendo, estreitando paredes, escurecendo e se apequenando até  se tornar uma prisão. E que eu saiba, ninguém gosta de morar em prisões ou jaulas...  Sem se dar conta, A Pessoa Certa acaba enjaulada, presa num lodo de expectativas alheias e sonhos nublados pela opacidade de uma perfeição impossível. Logo na entrada, a Pessoa Certa recebe a missão de transformar a vida do outro, encaminhada para a ala de egoísmo, onde perderá seu brilho, seus sonhos, desejos, objetivos e, principalmente a individualidade que o tornava especial de toda a Gente Infeliz que anda por aí sobre a Terra. Lá, ele sofre mutações especialmente programadas para se tornar um só com quem o procurava desesperadamente, simbiose assassina que ceifa o que de melhor existe no outro: ser livre para ser único.
 
Sonhos, a partir de então, devem ser os mesmos. Desejos devem ser os mesmos. Caminhos e horizontes devem ser os mesmos. Engole-se A Pessoa Certa para fazê-la renascer com o nosso código emocional e nosso periscópio a olhar em direção a um mesmo futuro, um não-opcional Manual de Como Será a Vida a Dois Por Toda A Eternidade cravado a delimitar comportamentos e desestimular pensamentos próprios.  O relacionamento se torna fonte de sofrimento e desassossego caso a absorção não seja concluída com sucesso. A Pessoa Certa deixa de ser Pessoa, se tornando apenas uma extensão dos nossos anseios, veículo molecular dirigido por controle remoto - memória apagada, experiências arquivadas, vontades amputadas. Um enorme carimbo a massacrar-lhe o peito com um único dizer: ENCONTRADA. E transformada em Gente Infeliz.


CH

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