Náutilo

Escrever é um "troço" curioso (e bom!) à beça... Isabel Allende, escritora chilena de obras interessantíssimas, disse em inúmeras entrevistas que, quando sente a fonte ficar seca, precisa sair em busca de outra nascente para que tudo volte a jorrar dentro de si. Trabalhar com Arte exige mais paixão que um relacionamento (às vezes tenho certeza disso... rs)! É preciso sentir as coisas, mergulhar nelas, fuçar sótãos de nós mesmos, enfrentar com resiliência os muros encontrados ao longo do caminho e ter uma disciplina férrea de fazer inveja a qualquer espartano...
 
No meu caso, há palavras que surgem do nada, lidas ou ouvidas em algum lugar, e que dão início a uma ebulição mental; instantaneamente, a palavra gruda em mim como se pedisse para ser semeada no papel para que possa, enfim, brotar. Ontem, por acaso, eu lia uma matéria sobre espécies de animais mais antigas, bichos que seguem vivos e resistindo há milhões e milhões de anos. Gosto de saber de coisas desse tipo, o que meu pai chamava de "cultura inútil" - sempre achei que o cérebro dele devesse ficar sobrecarregado com o volume de conhecimento armazenado, mas depois de adulta fui descobrir que não é um peso, é até divertido ter essas informações; nunca falta assunto para eventos sociais e os desdobramentos são sempre imprevisíveis!
 
Náutilo grudou em mim. Passou a noite a me provocar. Dormi de madrugada com a sensação de tarefa inacabada e acordei entendendo que não teria sossego se não desse a devida atenção e o encaixasse numa crônica. Desse modo, não há escapatória. Vou falar do Náutilo hoje, mas não como um daqueles programas maravilhosos da Nat Geo (essa é pra você, Bernardo!). Vou brincar de fazer analogias...
Talvez você nunca tenha ouvido falar de um Náutilo, o bicho... Se é um leitor mais dedicado, pode ser que sua memória te leve até Júlio Verne e a fantástica obra Vinte Mil Léguas Submarinas, com Capitão Nemo e o submarino Nautilus. Ou, quem sabe, nada disso faça qualquer sentido pra você... O fato é que Náutilo, um molusco de pouco menos de trinta centímetros, que vive nas profundezas do Oceano Pacífico, pode estar correndo sérios riscos de extinção. A razão disso seria a concha onde ele mora: a madrepérola, substância calcária e brilhante que é largamente usada para joias e ornamentos em todo o mundo. Uma pena que o ser humano ferre com quase tudo que conhece... E é aqui que entra a analogia sobre Náutilo.
 
O desejo de moldar uma outra pessoa, transforma-lo num apêndice enfeitado, faz com que o resultado seja uma beleza sem vida, sem sentido. Encontramos uma pessoa bacana, descobrimos afinidades, um ou outro sonho em comum, mas isso parece não bastar; logo começamos a tentar tirá-lo de sua concha e a molda-lo para caber com perfeição no nosso modo de enxergar a vida. Entramos numa batalha (perdida) que pode durar anos até, forçando um encaixe cheio das mais loucas perspectivas pessoais. Quantas relações viram uma concha vazia e que parece perfeita aos olhos alheios? Passa-se a viver com um coração de madrepérola, moldado a custa de sofrimento desnecessário... A troco de quê? De que adianta ostentar/manter um relacionamento se nada ali mais pulsa? O mundo não precisa de mais pessoas infelizes e insatisfeitas. Dessa espécie já há uma superpopulação sem qualquer risco de extinção.

CH

 

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