Uma dose só dividida em dois copos
Uma alma só dividida em dois corpos
Eu sei o melhor, se você tá, eu topo
Eu colo em teu colo...

 

 

 

Os versos de Emicida enchem a noite comum. O cara de olhos cinzas usa jeans claros John John, sem camisa. Fala qualquer coisa sobre o dia que passamos juntos, as mãos ocupadas em arrumar meia dúzia de latas de cerveja na geladeira mal organizada. O cavalo tatuado nas costas parece indócil sobre o feixe de músculos torneados pelo surf. Meus pensamentos estão perdidos na felicidade bissexta de estarmos os dois na mesma cidade, no mesmo bairro, no mesmo apê. Sento na bancada da cozinha, os pés descalços balançando ao ritmo da música. A voz dele compete com a do rapper paulistano no player, outro cd autografado pra coleção que cobre a parede do quarto. Conheço tão bem aquela epiderme, conheço tanto o jeito dele que logo aposto que, em  poucos segundos, ele vai passar a mão na nuca e rir. Em 4... 3... 2... Aí está! O gesto acontece antes do fim da contagem e eu abro um sorriso como se tivesse descoberto os números do próximo sorteio da megasena. 

 

Ele pergunta - Qual é a graça?

 

Antes de responder, eu penso que a graça é tê-lo na minha vida. Digo, meio na defensiva - Estou rindo do que você falou...

- E o que eu falei? Ele devolve, me encarando, os olhos cinzas como bolas de gude de uma infância boa.

- Você disse que me ama, claro! Acertei? - rebato rindo, entregando que não ouvi patavina do que foi dito em momentos que já parecem longe dali.

 

É a vez dele rir pra mim. Gosto dele pela previsibilidade, por sua maneira de ser absurdamente comum e, ao mesmo tempo, ímpar e único num mundo com gente demais. Gosto dele porque nenhum sinal escarlate avisa que ele é um ser humano da melhor qualidade, ultracapacitado para fazer qualquer mulher feliz.

 

- Errou feio... - ele zomba sem cerimônia e chega mais perto para ter a cintura enlaçada por minhas pernas. Emicida se torna a trilha sonora do nosso silêncio, enche os cômodos do apartamento com sua voz rouca e diz justamente o que eu estava pensando sobre o amor:

"Ser feliz é bem melhor que ser rei..."

CH